Gonçalo Mendes Ramires, o Fidalgo da Torre, é a figura central desta história, descendente de uma família muito antiga, nobre, com grandes posses e nome na sociedade da altura. Nesta obra é-nos relatada toda a história familiar dos Ramires, num romance histórico a par com a descrição contemporânea da vida na província. A bisbilhotice, mesquinhez e intrigas da vida provinciana estão bem patentes em cada parágrafo da descrição da vida na aldeia, o que se torna num ponto comum com outras obras de Eça que li.
Gonçalo, a personagem central, surge aqui na personificação de Portugal, com os seus medos, mentiras, a decadência, a cobardia, a futilidade, a falta de vontade, mas ao mesmo tempo a aspiração a ser uma grande figura na sociedade, com nome e feitos históricos familiares mas um futuro incerto e até amargo.
Eça de Queirós era um grande observador e crítico da socidade portuguesa e este livro vem mais uma vez atestar essa perspicácia tão sua em colocar numa obra um retrato tão fidedigno de Portugal no século XX que em muito toca no Portugal da actualidade.
Gonçalo Mendes Ramires é efectivamente Portugal, conforme se pode ler nesta passagem do livro:
Gonçalo Mendes Ramires é efectivamente Portugal, conforme se pode ler nesta passagem do livro:
"- Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que notou o Sr. padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?... A imaginação que o leva sempre a exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que o acobarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa... Até aquela antiguidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?
- Quem?...
- Portugal."
Outras passagens do livro que por algum motivo foram marcantes:
"- Oh, senhores! Que eu não possa vir à cidade sem encontrar de cara este animal do Cavaleiro! E sempre no largo, defronte da casa! É sorte!... Esse bigodeira não achará outro lugar para onde vá caracolar com a pileca?"
(...)
"- Pois é necessário um menino. Eu por mim não caso, não tenho jeito: e lá se vão desta feita Barrolos e Ramires! A extinção dos Barrolos é uma limpeza. Mas, acabados os Ramires, acaba Portugal.(...)"
(...)
"- Mas o que não compreendo, menino, é esse o teu «horror» pela D. Ana... Caramba! Mulher soberba! Um quebrado de quadris, uns olhões, um peitoril..."
(...)
"Agora porém, durante três, quatro anos, os regeneradores não trepavam ao Governo. E ele, ali, através desses anos, no buraco rural, jogando voltaretes sonolentos na Assembleia da vila, fumando cigarros calaceiros nas varandas dos Cunhais, sem carreira, parado e mudo na vida, a ganhar musgo, como a sua caduta, inútil Torre! Caramba! era faltar cobardemente a deveres muito santos para consigo e para com o seu nome!... Em breve os seus camaradas de Coimbra penetrariam nos altos empregos, nas ricas companhias; muitos nas Câmaras por vacaturas abençoadas, como a do Sanches; um ou outro mesmo, mais audaz ou servil, no Ministério. Só ele, com talentos superiores, um tal brilho histórico, jazeria esquecido e resmungando como um coxo numa estrada, quando passa a romaria."
(...)
"Meu filho, onde não há saia, não há ordem!"
Com base nas edições críticas publicadas pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda sob a coordenação do Professor Carlos Reis, a Presença dá a conhecer ao público em geral o texto que corresponde à última vontade do autor fixado em edição corrente. A partir deste critério foram já publicados "O Mandarim"; "A Capital!" e "Alves e Cª". A primeira versão de "A Ilustre Casa de Ramires", embora ainda incompleta, foi publicada na Revista Moderna entre 1897 e 1899. A partir desta primeira versão, Eça reescreveu este romance, que foi publicado em livro em 1900 – após a morte do escritor nesse ano – sendo por isso considerada uma obra «semipóstuma».Fonte: fnac.pt
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